Matheus Souza ressalta pontos positivos do fanatismo dos adolescentes por seus ídolos Fãs de Rebelde começaram a me mandar mensagens dizendo que estavam assistindo Woody Allen, conta o cineasta Peça do diretor, em cartaz no Sesc Copacabana, traz no elenco a atriz Lua Blanco, ex-Rebelde
Para
quem não sabe, estou em cartaz com um musical chamado "As coisas que
fizemos e não fizemos" no Sesc Copacabana. A peça é estrelada por Lua
Blanco, nome desconhecido por boa parte do público habitual do teatro
carioca, mas bem popular entre adolescentes. Ela protagonizou a novela
da Record "Rebelde", faz parte de um conjunto musical e possui mais de
um milhão de seguidores no Twitter.
Por
isso, as sessões têm estado repletas de jovens de diferentes idades e
classes sociais. Pais e filhos, muitos deles indo ao teatro pela
primeira vez. Meninos e meninas naturalmente excitados pela oportunidade
de ver o ídolo de perto a um preço acessível.
O primeiro final de semana foi uma loucura. Uma jornalista descreveu assim:
"Acostumados
a frequentar os shows do grupo, os fãs têm seguido a mesma conduta no
teatro: não economizam na gritaria, tiram fotos incessantemente e tentam
até agarrar Lua durante o espetáculo".
Esse
comportamento dos jovens visivelmente irritava a parte do público que
não fazia ideia do que estava acontecendo. O que, de certa forma, é
justo. Eu, mais do que ninguém, entendo a implicância com pessoas tendo
qualquer outro tipo de comportamento durante uma peça além de
simplesmente assistir à apresentação. Até barulho de bala me distrai.
Então
um grupo de amigos me perguntou se eu não estava mal com aquilo, se eu
não achava que esse fenômeno estava prejudicando o espetáculo. Respondi
que, de fato, era chato. Mas também que era apenas um preço a se pagar
perto de um objetivo maior.
Na
segunda semana comecei a bater um papo com a plateia antes do
espetáculo começar. Uma conversa simples e rápida na qual explico, numa
boa, com piadas e nenhuma ameaça, que não se pode fotografar, filmar ou
falar durante a peça.
E,
adivinhe só! Tivemos quatro apresentações só interrompidas por risos e
aplausos. Nenhuma histeria, nenhuma foto. Meu apelido na coxia virou
"Super Nanny".
Fiquei muito feliz, pois acho incrível contar com esse público. E, acima de tudo, sem subestimá-lo.
"As
coisas que fizemos e não fizemos" faz parte de uma trilogia de peças
que escrevi e apelidei de "Trilogia Xadrez". São os três primeiros
textos que desenvolvi para o teatro, que refletem minhas experiências e
gostos juvenis.
Peças
repletas de citações a autores que marcaram minha adolescência, no
teatro (Domingos Oliveira, João Falcão, Felipe Hirsh...) e no cinema
(Woody Allen, Charlie Kaufman, Tarantino...). É a época em que só usava
camisas xadrez. Então, além das pequenas conexões entre os personagens,
também faço como ator as três produções, sempre vestindo alguma peça
xadrez do meu armário.
"Stand
up", a primeira parte da trilogia, estreou no início do ano também com a
Lua no elenco. É um texto no qual cito os nomes de alguns dos meus
filmes e diretores favoritos.
O
resultado? Um grupo de fãs de "Rebelde" começou a me mandar mensagens
dizendo que estavam assistindo filmes do Woody Allen e achando ele
"muito engraçado". Uma menina que só lia "Crepúsculo" e afins me pediu
sugestões de livros. Agora é fã de Nick Hornby, Lionel Shriver e Machado
de Assis. Outra diz ter se identificado com o casal de "Brilho eterno
de uma mente sem lembranças". Sem contar com as várias que foram
assistir a peça do Domingos Oliveira que eu fazia como ator.
E
é uma delícia dividir meus gostos com eles. Meu musical é formado por
canções da banda The Magnetic Fields, pouquíssimo conhecida no Brasil. É
o grupo favorito da Clarice Falcão, talvez o auge da sofisticação jovem
feminina, capa de revista e tudo mais. E agora, na saída do musical,
outras meninas, das mais diferentes origens, também cantarolam
apaixonadas as mesmas músicas que Clarice cantarolava quando tinha a
idade delas. Isso não é incrível?
Em
2000 eu era um garoto de 11 anos, apaixonadérrimo pela protagonista de
"Malhação", como os fãs da Lua. Tinha ido ao programa da Xuxa um ano
antes, participado de brincadeira com direito a beijinho especialmente
para ela. E lembro de ter corrido animado para tirar uma foto do Ronaldo
quando o vi na rua. Sou filho de uma dentista e um analista de
sistemas, fui criado ouvindo Roberta Miranda e Fábio Jr, em casa, longe
de qualquer contato com a classe artística.
Mas,
um dia, vi, por acaso, um filme do Woody Allen. Por causa disso,
assisti a um do Bergman. Depois, um do Domingos. Aí fui ao teatro ver
uma peça do Domingos. Então não parei mais de ir. E foi mágico para mim.
Se eu conseguir passar essa magia para outras pessoas, terei cumprido o
meu dever.
É
muito fácil reclamar sentado em seu sofá que tal comédia popular fez
milhões de espectadores e o seu "filme cabeça" ficou uma semana em
cartaz sem fazer nada a respeito. Ou que o público jovem só quer ver
stand up comedy no teatro sem pensar em opções.
Não
estou querendo empurrar meu gosto para ninguém, claro. Desejo apenas
compartilhá-lo, pois vejo o tempo todo produtos para o público jovem
sendo concebidos na televisão e cinema brasileiros sem a menor
preocupação em exibir algo que os desafie, que apresente algo novo.
O jovem não é uma "fatia de mercado". É o futuro.
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