A fila dá voltas
na entrada da livraria em um shopping na zona sul do Rio. Seguranças
tentam organizar as duas centenas de adolescentes, que esperam há horas
naquele frenesi típico de fãs. Isabela Alves, 15, saiu de Duque de
Caxias, na região metropolitana, às 10h30. Sete horas depois,
conseguiria a dedicatória no livro “Inclassificável – Memórias da
Estrada”.
“Leia sempre”, escreveu a autora Mel Fronckowiak,
25. Em sua obra de estreia, a atriz e cantora teve lançamento de
estrela das letras, graças à fama de ex-integrante do grupo musical
Rebelde e protagonista da novela homônima da Record, exibida até 2012.
Na dedicatória à repórter Eliane Trindade,
a ex-estudante de jornalismo escreveu: “É muito bom reconhecer outras
apaixonadas por palavras”. Já a paixão pelo ator Rodrigo Santoro, ela
deixa menos explícita. Os dois se conheceram na pré-estreia do longa
“Heleno”, protagonizado por ele, e estão juntos desde junho do ano
passado.
O namorado causa
alvoroço, mas nada comparado à comoção na chegada de Mel, de vestido
longo floral e bolsa Prada. Santoro passa no caixa, compra dois
exemplares e é levado para um reservado, onde ela recebe os íntimos. O
casal troca carinhos tímidos e posa para fotos. “Vou ler hoje à noite”,
diz ele.
Sobre a relação,
o ator sai pela tangente: “Já estamos tão expostos… Essa parte da vida é
pra gente. É privada”. E brinca sobre o que será escrito nesta
reportagem: “Cuide bem dela”. A mãe, a irmã e a sobrinha de Santoro
também estão lá. A pequena Laura leva de presente o cachorrinho de
pelúcia que a tia Mel acabara de ganhar de uma fã.
O discurso de
ambos está afiado. “Eu já me sinto muito exposta escrevendo”, afirma
ela. “Estou realizando um sonho profissional. Pessoalmente, também estou
feliz.”
O fato de ter
conquistado o astro em ascensão em Hollywood não intimida a gaúcha. “Em
casa, a gente não é nome e sobrenome.” Os dois já entraram na mira dos
paparazzi no Rio e em Los Angeles, onde ele passa temporadas.
“Ela é mais do
que a namorada do Rodrigo Santoro”, diz, enfática, Maíra Santos, 16,
que faz parte de fã-clube de Mel. As vendas do livro da ex-Rebelde é
termômetro de uma febre construída e alimentada por uma máquina
televisiva e de shows nos moldes da matriz mexicana. Cerca de 4.000
exemplares saíram logo na pré-venda pela internet. Uma segunda tiragem
de 5.000 foi feita às pressas.
Com 1,1 milhão de
seguidores no Twitter, Mel arrisca-se na literatura, após o fim do
contrato com a Record. Diz “ser especulação” sua ida para a Globo.
Quando indagam se é atriz, responde: “Fui, por um tempo”. É cantora?
“Fui cantante.” E escritora? “Não sei, mas escrevi um livro e estou
oferecendo ao público.”
A obra chegou
ao prelo por vias tortas. “Uma grande editora se negou a publicar.
Disseram: ‘Olha, é bacana, mas é difícil de classificar’”, conta Mel. A
negativa inspirou o amigo Pedro Cézar, cineasta, poeta e surfista, como
se apresenta na orelha do livro, a sugerir o título “Inclassificável”.
Uma editora embrionária, a Rubra, resolveu lançá-la como primeira autora
do selo.
Mel admite que
sua escrita precisa amadurecer. “Eu sei o meu tamanho. Quero escrever
coisas densas, quem sabe um dia um romance. É um primeiro passo.”
Nádia Bambirra,
assistente de direção da Record, ajudou a ex-pupila a engatinhar na
nova carreira. “Mel se dizia triste, vazia por causa da fama. Não sabia o
que fazer com o fim da banda.” Lançou um jogo no Twitter, Caçadora de
Palavras. “É uma brincadeira de sugerir autor ou tema a cada semana no
meu perfil.” E se empolga com a frase de uma garota que venceu um dos
concursos: “Saudade é a fome do coração”.
Para se expressar
em 140 caracteres, inspira-se nos haicais japoneses. Um de sua lavra é:
“Amar-te é pouco. Minha ideia é ser-te”. Em 96 páginas, o livro é um
relato adocicado de sensações dos tempos de Rebelde (leia trecho acima).
“Tive que arrumar uma forma de não enlouquecer”, explica ela, sobre os
diários de uma maratona que durou dos seus 22 aos 24 anos.
Casa e
estrada se confundiam. “Era o tempo todo hotel, ônibus, avião.” Além de
shows de sexta a domingo, gravava de segunda a quinta. “Foi um período
em que remédios para dormir e remédios para ficar acordados faziam parte
da nossa dieta”, escreve. “A solidão mora ao lado do caos”, prossegue
em outro trecho. Mas o livro passa longe de revelar bastidores da fama.
Antes de ”Rebelde”,
a morena de 1m74 apostou na carreira de modelo, com apoio da mãe
psicóloga. Aos 19 anos, trancou a faculdade e trocou Pelotas (RS) por
SP. Entrou para a Ford Models. “Não era modelo de passarela. Fiz bons
trabalhos de publicidade.”
Um deles a
deixa desconfortável. Em 2008, ganhou o título de “o bumbum mais bonito
do mundo”. “Era um concurso em Paris para escolher a garota-propaganda
de uma marca de lingerie”, explica. “No Brasil, mudou de ótica.” Passou
no teste para a novela e a banda dois anos depois.
Os atributos que
quer evidenciar são intelectuais. Os físicos estão camuflados em
vestidos longos e soltos, opção invariável nas sessões de autógrafo. Mel
cita Sartre e clássicos que embalaram a adolescência. “Tive um encontro
com Fernando Sabino e outro com Kundera [Milan].”
“Ela inspira a
gente”, derrete-se a fã Isabela. “É um orgulho ela virar escritora.
Tive medo de que sumisse com o fim do grupo.” A garota postou foto no
Instagram com sua “autora preferida”. “Os fãs vão ler meu livro e podem
descobrir outros autores. Ninguém começa lendo Clarice Lispector”, diz
Mel. Leitora voraz, a obra que está na sua cabeceira hoje é “Coisas da
Vida”, de Martha Medeiros.
Fonte: Mundo Fronckowiak
Nenhum comentário:
Postar um comentário